quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A compreensão da leitura ocorre antes mesmo da alfabetização

Por Equipe Instituto Alfa e Beto

 

Imagine um bebê cujos pais, cuidadores e educadores leem para e com ele todos os dias. Por volta dos seis anos, ao ingressar na escola formal, ele pouco se lembrará dos livros que ouviu quando pequeno. Isso pode nos levar a crer que todos as histórias da sua Primeira Infância tenham sido perda de tempo. Mas a verdade é que seu cérebro terá sido impactado positivamente por aquelas experiências e guardará “recordações” por toda a sua vida escolar.
Essas recordações virão em forma de um vocabulário mais amplo e uma maior facilidade para compreender a leitura a partir da sua alfabetização. De acordo com Roger Beard, pesquisador e professor da Universidade de Londres, mesmo quando as crianças não conseguem ler, elas podem acompanhar histórias lidas ou contadas por um professor ou pelos pais. “Desde cedo é possível promover a compreensão de leitura, incentivando a previsão e a antecipação de fatos, de modo que a criança entenda para além das palavras, compreendendo os significados subjacentes”, diz o especialista.
Beard virá ao Brasil em agosto a convite do Instituto Alfa e Beto para o VIII Seminário Internacional, que se realizará entre os dias 13 e 14 no Rio de Janeiro. Entre outros temas, Beard abordará o ensino da compreensão da leitura, da gramática e da escrita. Nós conversamos com ele a respeito dos temas que serão tratados no Seminário e o resultado dessa entrevista está sendo publicado em partes neste espaço.
A segunda parte você confere a seguir (a primeira parte está disponível aqui):
Existem estratégias ou técnicas comprovadas para ensinar compreensão de leitura? Há alguma que seja ineficaz?
Sim, existem práticas de ensinar compreensão de leitura que são comprovadamente eficazes e há, também, práticas ineficientes. De acordo com as pesquisas mais recentes, as prática mais ineficientes são aquelas que se resumem em exercícios tradicionais de compreensão, nos quais as crianças recebem um texto e apenas respondem a questões após a leitura. Há estudos que mostram como é possível responder a uma questão sem entender exatamente do que se trata, transformando a pergunta em uma espécie de afirmação.
As estratégias mais eficientes de incentivar a compreensão são aquelas que se preocupam em auxiliar as crianças a criar módulos mentais do texto em suas cabeças. Isso remete a uma pesquisa que está sendo realizada no Reino Unido pela professora Jane Oakhill, docente de Psicologia Experimental da Universidade de Sussex, com a qual eu tenho colaborado em muitos artigos e livros. Ela vem realizando estudos para identificar as dificuldades de compreensão de leitura das crianças e identificou três principais áreas de dificuldade
Que dificuldade são essas?
A primeira dificuldade é que as crianças nem sempre entendem como é que, na verdade, uma sentença se vincula com as demais. Isso acontece, por exemplo, quando o principal sujeito da frase é substituído, em um segundo período, por um pronome ou por outra alternativa, como um sinônimo ou um tipo de substantivo que se refira a mesma pessoa, mas que as crianças não compreendem totalmente.
Este tipo de ligação entre sentenças é um tipo de dificuldade que elas têm. Dar atenção para ajudar as crianças a compreender como as sentenças são ligadas entre si facilita a simples compreensão do texto.
A segunda dificuldade que ela investiga mostra que as crianças não entendem como o texto está colocado em uma cronologia que respeita uma ordem de parágrafos conectados em si. Essas habilidades de inferência são essenciais para o processo, porque muitos autores deixam conexões textuais implícitas no texto, mecanismo que ajuda evitar excesso de repetições e tédio.
E a terceira dificuldade identificada por Oakhill é que as crianças também não compreendem a estrutura de um texto e assim não identificam se aquele é um texto argumentativo, expositivo, persuasivo etc. Elas veem as palavras e são capazes de saber o que dizem, mas, de algum modo, não são capazes de elaborar módulos mentais do texto.
Como o professor deve trabalhar para sanar essas dificuldades detectadas?
Estratégias que auxiliam as crianças a resumir um texto, bem como qualquer atividade que tenha como alvo a capacidade de resumir o texto, são susceptíveis de ajudar as crianças a irem além das palavras e dos significados nas entrelinhas. Um trabalho que pode ser realizado é pedir a turma para resumir o texto lido.
É importante que as crianças aprendam a se auto monitorar com relação à compreensão da leitura. O auto treinamento da compreensão ajuda a compreender o sentido do texto. Isso pode ser feito por meio de diagramas, uma lista ou outro tipo de representação resumida do texto, a fim de monitorar o que eles sabem e o que eles não sabem.
Estamos falando, em geral, de crianças com idade entre 8 e 9 anos, fase em que elas estão ficando mais fluentes, mas ainda com dificuldades de compreensão.
Sabe-se que a leitura desde o berço traz inúmeros benefícios para o desenvolvimento da linguagem. Que impacto a leitura antes mesmo da alfabetização – feita pelos adultos para e com as crianças – tem na compreensão futura da leitura e como isso pode ser trabalhado?
Desde o início da leitura, e mesmo quando as crianças não conseguem ler, elas podem acompanhar histórias lidas ou contadas por um professor ou pelos pais. Desde cedo é possível promover a compreensão de leitura, incentivando a previsão e a antecipação de fatos, de modo que a criança entenda para além das palavras, compreendendo os significados subjacentes. Existe um velho clichê que diz que a leitura deve ser feita nas linhas, nas entrelinhas e além das linhas. É um lembrete simples, mas bastante útil.

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