quarta-feira, 2 de março de 2011

O nascimento das cidades-leitoras

Especialista em políticas públicas de promoção à leitura e implantação de bibliotecas reflete a respeito da experiência de Iepê

Por Edmir Perrotti*

Pequeno município do interior de São Paulo, Iepê vem há tempos trabalhando para se tornar uma Cidade-Leitora. Com isso, já está obtendo resultados que o destacam em avaliações estaduais e nacionais de Educação. Afinal, ter domínio do código escrito é, sabidamente, condição essencial e primeira de aprendizagem. Daí que apostar na leitura é tiro certo.

Todavia, cidades-leitoras não são obra do acaso, nem se constituem por magia, milagre ou decreto. Elas resultam de uma história, de visões e de opções políticas por educação de qualidade, por inclusão de todos nos circuitos do conhecimento e da cultura.

Não nascemos leitores. A formação de leitores é uma tarefa de vida toda. Ler não é um simples fato biológico. Apesar de envolver visão, neurônios e outros aspectos fisiológicos, é um ato eminentemente cultural, é produção de significados. Daí implicar, necessariamente, opções e ações políticas, mobilização pública, além de recursos que vão dos materiais aos saberes e competências diversas e especializadas. As cidades-leitoras somente podem ser formadas nesse movimento dinâmico e permanente envolvendo, além dos próprios leitores, autoridades, famílias, instituições culturais como bibliotecas, casas de cultura, escritores, livreiros, editores, educadores, agentes culturais e inúmeros outros mediadores.

Os sistemas educativos têm um papel central em tais processos. Assim, do ponto de vista das redes escolares, além da prioridade às aprendizagens necessárias à inclusão e apropriação da cultura da escrita, há que se orientar e preparar as equipes pedagógicas para atuarem nesse sentido. E, por equipes pedagógicas, entenda-se os quadros ligados direta e indiretamente à Educação, de autoridades postadas nas Secretarias de Educação aos professores. Pecam as iniciativas centradas exclusivamente nestes últimos. O ato educativo não é fenômeno isolado.

Insere-se numa trama constituída por diferentes agentes educativos com diferentes formações e funções.

O conhecimento não nos chega de pronto; é fruto de esforços e aproximações permanentes e indispensáveis. Daí demandar a adoção de políticas de formação continuada em leitura, tendo por alvo, como dissemos, os quadros profissionais que atuam na Educação. É preciso envolvê-los, torná-los leitores, antes de mais nada. Sem isto, não haverá solução.

Além disso, é preciso uma consciência clara de que não é possível formar leitores na atualidade sem considerar que a escrita vem ganhando contornos específicos de nossa época. Se continuamos a ler em livros, jornais, revistas, lemos também em outros e novos suportes que abrem possibilidades até então inexistentes para a escrita. Num mundo onde espocam mensagens de todo lado, é preciso aprender a ler os suportes tradicionais, como também, as telas dos computadores, o visor dos celulares, os outdoors nas ruas e muitos outros veículos contemporâneos que alteram a escrita e nossas relações com ela. Por outro lado, como no nosso tempo as mensagens escritas agregam outras linguagens, é preciso estabelecer conexões entre linguagem escrita e as linguagens orais, audiovisuais, gestuais, num processo dinâmico de mobilização e conexão multimidiática. Atentos à especificidade e às exigências de cada tipo de linguagem, é preciso colocá-las, todavia, em relação umas com as outras.

Neste século XXI precisamos colocar nossos estudantes em contato contínuo e vivo com as mais variadas fontes do conhecimento. Precisamos criar espaços múltiplos e dinâmicos de leitura e informação, na escola e fora da escola. Precisamos criar oportunidades diversificadas de aprendizagem, possibilitar experiências culturais alargadas aos estudantes nas chamadas “sociedades do conhecimento”.

Nesse sentido, as crianças e os jovens de Iepê não aprendem apenas a reconhecer os signos e utilizá-los para realizar seus deveres escolares; eles os utilizam nas mais diferentes situações cotidianas, em interações que se espalham da escola para a vida e desta para a escola, num movimento permanente de conhecimento e de reconhecimento do outro. A palavra e o mundo, como queria Freire, se conjugam. Vive-se e respira-se, no dia-adia de Iepê, a experiência da escrita em suas variadas manifestações.

Iepê permite vôos e sonhos altos a seus habitantes e a nós todos. Mais que um exemplo, um desafio é lançado! Que tal, caro leitor, sua cidade tornar-se, ela também, leitora?

* Edmir Perroti, professor aposentado da Universidade de São Paulo com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação, assessorou projetos de promoção à leitura em diversas prefeituras, como as de Jaguariúna (SP) e São Bernardo do Campo (SP).

Fonte: Revista LeituraS nº 1

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