quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A leitura como agente do conhecimento


Matéria publicada em 14 de outubro de 2010

Ricardo Azevedo

É lendo que desenvolvemos nosso pensamento crítico. Sem ele, os jovens serão sempre presa fácil da propaganda enganosa e da alienação


Recentemente, no rádio, um locutor falava em liberdades individuais, no direito de cada cidadão ser o agente de suas próprias decisões e na importância da diversidade de opiniões. Imaginei que fosse alguma ONG em defesa da democracia. Nada disso. O texto era patrocinado por um fabricante de cigarros! A liberdade a que se referia, no fundo, era uma só: a de optar por ser fumante, contrariando todas as informações médicas disponíveis.

São complexos os desafios da educação nos dias de hoje. Creio que alguns deles nem sempre são lembrados. É preciso formar nossas crianças e jovens de maneira que sejam capazes de perceber que discursos válidos e civilizadores podem ser utilizados como ações de marketing e propaganda (e também por políticos corruptos e regimes autoritários).

Fazer com que compreendam o funcionamento das sociedades fundadas em economias de mercado, para que saibam, por exemplo, separar consumo de consumismo ou propaganda de propaganda enganosa. Que discutam o que é autoridade (a confiança conquistada legitimamente), autoritarismo (a obediência obtida à força) e omissão (a desresponsabilização diante, por exemplo, de pessoas inexperientes ou dependentes e, num outro patamar, diante da sociedade).

Que tenham claro que a liberdade é muito boa, mas tem limites: ninguém tem direito de desrespeitar o direito dos outros. Que compreendam que são responsáveis também pela sociedade em que vivem.

Que aprendam a estudar (poucas escolas ensinam isso) e tenham o melhor preparo técnico possível sem esquecer de certas características de qualquer ser humano: somos incapazes de viver sem uma sociedade; somos capazes de construir linguagens e símbolos; temos dificuldade de distinguir a subjetividade da objetividade; somos efêmeros (morremos), corporais e passíveis de prazer e sofrimento; podemos pensar em assuntos abstratos como justiça, moral, política e estética; transformar a natureza e a sociedade e, ainda, fazer projetos para, com sorte e competência, construir um futuro melhor.

É importante que saibam respeitar, conviver e ser capazes de se identificar com hábitos, valores e crenças diferentes dos seus. Que discutam sobre por que têm sido levados a escolher suas profissões sem um mínimo de autoconhecimento (considerando apenas salários e a profissão da moda em detrimento de vocações). Que debatam formas alienantes e sub-reptícias de exclusão, como o “culto da celebridade” (que valoriza a pessoa “descolada” e sua “imagem”, desprezando a pessoa “comum”). E também os hábitos culturais que misturam o público e o privado, para que possam analisar as práticas que transformam vidas e relações humanas em ações de marketing e pessoas em produtos de consumo.

Que conheçam os extraordinários avanços da modernidade, mas também suas inúmeras contradições. Que tenham acesso à multifacetada cultura de nosso país. Que estejam conscientes das desigualdades de nossa sociedade (por serem imorais e injustificáveis, elas costumam deixar nossas crianças e jovens confusos e céticos).

E ainda que sejam levados a compreender que não são a plateia, mas sim os protagonistas do futuro e que, na escola, estão se preparando para construí-lo e ressignificá-lo.

Não sou pedagogo e conheço pouco os diferentes métodos educacionais. Sejam quais forem, a meu ver, deveriam ter por base assuntos como esses. Eis por que a leitura sempre terá um papel fundamental: desenvolvemos nosso pensamento crítico, principalmente, por meio dela. Sem ele, nossas crianças e jovens, tanto faz de que classe social, serão presa fácil da propaganda enganosa, da alienação e do niilismo.

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