terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Aprender a ler e escrever altera a forma de funcionamento do cérebro

Matéria publicada em 11/01/2011

Lígia Formenti e Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Pesquisa mapeou, por meio de ressonância magnética, atividade cerebral de analfabetos e de alfabetizados na infância e na idade adulta e descobriu que área dedicada ao reconhecimento facial se torna ''especialista'' no reconhecimento de palavras

As mudanças provocadas pelo aprendizado da leitura não se limitam à melhora na qualidade de vida. Estudo conduzido pelo Centro Internacional de Neurociências da Rede Sarah, com a colaboração de cientistas de Portugal, França e Bélgica, demonstra que aprender a ler e escrever altera a forma de funcionamento do cérebro.

"Há uma mudança nas redes neuronais da visão e da linguagem", afirma Lúcia Braga, presidente da Rede Sarah e coordenadora do trabalho. Os resultados indicam que o cérebro faz um rearranjo de suas funções ao iniciar o aprendizado da leitura.

Antonio Milena/AE-3/1/2009

Adaptação. De acordo com neurocientistas, hábito da leitura cria novas conexões cerebrais

Uma área inicialmente dedicada ao reconhecimento facial se torna "especialista" no reconhecimento de palavras. Isso, no entanto, não significa que alfabetizados percam a capacidade de identificar rostos. Muito embora, nos testes, os analfabetos apresentaram um desempenho superior aos alfabetizados no reconhecimento de faces.

"Outras pesquisas precisam ser realizadas. Mas a nossa suspeita é de que, em pessoas alfabetizadas, o reconhecimento de rostos em parte seja transferido para outra região cerebral", disse Lúcia Braga.

Estímulos. A pesquisa analisou exames de ressonância magnética feitos em 63 voluntários. O grupo, formado por brasileiros e portugueses, teve a atividade cerebral mapeada enquanto era submetido a estímulos, como ouvir frases, ver palavras, rostos e outras imagens. Dos voluntários, 10 eram analfabetos, 22 haviam sido alfabetizados na idade adulta e outros 31 aprenderam a ler e escrever ainda na infância.

Os exames mostraram que o grupo de pessoas alfabetizadas apresentou uma atividade mais acentuada nas áreas do córtex associadas à visão.

Além disso, pesquisadores notaram que houve também um aumento das respostas do cérebro relacionadas à identificação de fonemas. "Isso de certa forma explica por que analfabetos não conseguem fazer a supressão do som de uma palavra: como anana de banana", contou Lúcia.

As mudanças nas redes neurais foram identificadas nas pessoas escolarizadas desde a infância e naquelas que aprenderam a ler na fase adulta.

"Os ganhos foram evidenciados nos dois grupos", explicou a coordenadora da pesquisa.

Essa "adaptação" do cérebro é explicada por Lúcia. "A escrita é algo relativamente novo na história da humanidade para ter influenciado uma mudança genética", disse. A saída encontrada pelo cérebro foi reciclar áreas anteriormente reservadas a outras funções para atender às novas demandas. "Quanto mais estudamos, mais conexões cerebrais nós temos", completa.

Para Lúcia, os resultados do trabalho reforçam a importância da leitura, uma espécie de "musculação", para o cérebro. "Vemos isso diariamente no trabalho de reabilitação feito no Sarah. Os resultados do trabalho são muito mais rápidos em pessoas que têm cérebro exercitado do que as que não têm."

A Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação é especializada em tratamento e pesquisa sobre paralisia cerebral, espinha bífida, traumatismo craniano, acidente vascular cerebral, doenças neuromusculares e problemas ortopédicos.

Ao todo, nove unidades integram a rede - um hospital e um Centro Internacional de Neurociências e Reabilitação, em Brasília, e unidades hospitalares em mais sete capitais.

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