quarta-feira, 2 de junho de 2010

Projeto "liberta" 5 mil livros nas ruas em 2 anos

Criada por cariocas em regiões carentes, proposta batizada de Livro de Rua espalha bibliotecas onde não é preciso fazer cadastro nem devolver a obra

Márcia Vieira, RIO, e Clarissa Thomé - O Estado de S.Paulo

A ideia nasceu de um projeto americano, o Book Crossing. Você deixa um livro em qualquer lugar público: um banco de praça, um café, um cinema. Caso encontre um exemplar, pega, lê e depois passa adiante. E, assim, de mão em mão, o livro vai circulando. O Book Crossing ganhou fôlego em mais de cem países, até no Brasil. Mas um grupo de cariocas decidiu ampliar a corrente e criou o Livro de Rua.

O movimento não só deixa livros em lugares públicos, como também instala as "bibliotecas da liberdade" em lugares carentes. "O Book Crossing é uma ótima ideia, mas os livros acabam só circulando em áreas mais nobres, onde as pessoas têm acesso a livrarias e bibliotecas. Acaba sendo um grande clube do livro", pondera Pedro Gerolimich, de 28 anos, um dos idealizadores do Livro de Rua. "Queremos democratizar o acesso à leitura."

Nas "bibliotecas da liberdade" não há burocracia. Qualquer pessoa pode levar quantos livros quiser. Não precisa mostrar documento de identidade nem fazer cadastro. Ninguém é obrigado a devolver os exemplares. O único compromisso é passar o livro adiante ou deixar em lugar público. O lema do projeto é a "libertação" dos livros. Em Duque de Caixas, foram libertados 500 livros. Em Anchieta e Pavuna, outros 700. Numa tarde de sol no calçadão de Copacabana, ao lado da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, foram entregues outros mil livros. Todos tinham sido doados pelo site www.livroderua.com.br.

"O livro serve para que as pessoas possam ler e não para ficar em uma estante. Ele tem de circular. Já libertamos 5 mil livros em quase dois anos", diz Gerolimich. A maioria foi parar nas cinco bibliotecas montadas pelo grupo. Três na Baixada Fluminense, um bolsão de miséria no entorno do Rio, duas em Belo Horizonte. E já há planos para chegar também a São Paulo e Brasília. As bibliotecas são instaladas em lugares como lan houses e postos de saúde. "A gente leva o livro onde as pessoas estão por outro motivo. Mas, quando dão de cara com os livros, elas acabam pegando. Queremos que elas adquiram o hábito da leitura."

Filho de um professor de História e de uma advogada, formado em Geografia, acostumado a viver cercado de livros por todos os lados, Gerolimich gosta de repetir uma frase do poeta Mario Quintana para explicar seu entusiasmo com o projeto: "Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Livros só mudam as pessoas."

3 perguntas para Eliana Yunes, fundadora do Programa Nacional de Leitura, em 1992

1. Qual o tamanho do desafio de se criar um país de leitores?

É um desafio imenso no Brasil. As famílias não têm livros em casa nem leem para os seus filhos, as escolas não estão dotadas de bibliotecas em sala de aula, as bibliotecas escolares são para cumprir tarefas e não para a alegria e o desfrutar das palavras. E tem o problema do poder aquisitivo. O livro é muito caro. (...) Não faltam nos condomínios, por exemplo, quadra poliesportiva e piscina. Contudo, um espaço para leitura não tem. Você não vê um cuidado com essa questão. Tudo afasta o brasileiro de um convívio mais próximo com a linguagem escrita.

2. Só 8% das cidades não têm biblioteca pública. Na parte de governo, qual é a dificuldade?

É preciso ter o acesso ao material, mas sobretudo é preciso que haja política de difusão da literatura no município, nas comunidades próximas, com amparo do Estado. Não adianta ter o livro na biblioteca e o leitor não buscar o livro, nem saber qual a riqueza que se esconde nas estantes.

3. O que é preciso para se fazer um leitor?

São muitos fios, que não se arrumam de um dia para o outro - não se cria um leitor em dois meses, nem em um ano. Essa tessitura envolve revalorização das memórias pessoais, da vivência em família, na coletividade. Quando as pessoas chegam diante do livro e acreditam que tudo aquilo que sabem não tem nenhum valor cultural, não estão preparadas para fazer a troca necessária com a incorporação daquilo que ela desconhecia e o livro traz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário