segunda-feira, 21 de junho de 2010

As políticas públicas para o livro e a leitura no Brasil

 Fabiano dos Santos Piúba - Diretor Nacional de Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura – MinC, onde também foi Coordenador de Articulação Federativa do Programa Mais Cultura. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará e Mestre em História pela PUC-SP. Escritor e Professor Universitário. No Ceará coordenou a Políticas do Livro e de Acervos da Secretaria da Cultura do Estado no período de 2005 a 2007, onde concebeu e coordenou o projeto Agentes de Leitura, transformado em política pública nacional pelo MinC.

Em entrevista exclusiva à Revista ANL, Fabiano dos Santos Piúba - Diretor Nacional de Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura, fala sobre as ações de sua diretoria, sua participação na Convenção da ANL de 2009 e sobre as expectativas para o Fundo Pró Leitura brasileiro

Revista ANL - Qual o balanço que o Sr. faz de sua participação na mesa “O papel e o lugar das Políticas do Livro e Leis de defesa das livrarias. Lei do fomento ao Livro e à Leitura”?
Fabiano dos Santos Piúba - O fato da Convenção da ANL inserir o debate da política pública do livro e da leitura em sua programação, já expressa a importância do tema para o setor e de como os livreiros estão conectados com essa questão, como uma dimensão importante nas suas estratégias econômicas e sociais. Não se trata mais de apenas discutir as questões da lógica própria do mercado. E o título da mesa sugere um diálogo e uma relação de mão dupla entre o lugar das livrarias nesse processo. A mesa foi bastante significativa, por tínhamos uma composição que contava com o Congresso Nacional na pessoa do Dep. Marcelo Almeida que vem capitaneando uma importante frente parlamentar em defesa da leitura, o setor livreiro com as presenças de João Carneiro da Câmara Riograndense e da professora Graça da Editora e Livraria da UFGO. A participação do Governo Federal por meio da Diretoria do Livro, Leitura e Literatura do Ministério da Cultura não significou apenas uma presença do Ministério na Convenção. Fomos com propostas para serem lançadas ao debate, na perspectiva de uma construção coletiva com o setor.

Revista ANL - Quais os benefícios diretos que este tipo de debate pode trazer ao segmento?
Fabiano dos Santos Piúba - São benefícios estratégicos em torno da economia do livro. O livreiro tem que perceber que ele não é apenas sua livraria situada na rua tal de alguma cidade do Brasil. Ele compõe uma rede, um elo vital na cadeia produtiva do livro. O elo que estabelece um contato direto com o público. Portanto, seu papel não se restringe ao componente econômico da venda de livros. A livraria é um espaço cultural que tem um papel social relevante na formação de leitores. Daí a importância desse debate. Ao mesmo tempo em que a Convenção propiciou debates em torno da qualidade do atendimento nas livrarias, das rodadas de negócios, das novas tecnologias, ela abriu espaço para o debate das políticas públicas de cultura. Isso, por si só, expressa o amadurecimento do setor na percepção de inserir esse tema em sua agenda.

Revista ANL - O Sr. teve a oportunidade de assistir também a mesa “O ano da França no Brasil. Ações de apoio às livrarias francesas. Políticas de Estado em apoio ao Livro e à Edição: o exemplo da França”, que antecedeu sua apresentação. Como o Sr. vê o exemplo francês de políticas públicas para o livro? eria possível algum tipo de adaptação para o Brasil?
Fabiano dos Santos Piúba - A mesa foi bastante elucidativa e bem conduzida pela Milena Duchiade. Devo dizer, inclusive, que foi ali que compreendi melhor a questão do preço fixo do livro. Debate que penso que deve ser retomado no Congresso Nacional. No entanto, o que me chamou mais atenção naquela mesa foi a forma de como os franceses atuam junto às livrarias na formação das competências culturais dos livreiros, de como a dimensão cultural é vital na qualificação das livrarias, de seu quadro de funcionários, mas, sobretudo na relação com o cliente, com o público leitor. Nada mais instigante do que chegar em uma livraria e o atendente ser uma pessoa que detenha um repertório cultural diverso e que seja um leitor daqueles livros que estão nas prateleiras. Ao invés de um mero atendimento, a sua abordagem passa a ser de uma conversa literária ou acadêmica, e o livro deixa de ser uma mera mercadoria e passa a ser um objeto de desejo e de consumo cultural. Para isso, torna-se necessário uma qualificação profissional em torno das competências culturais que uma livraria possa desenvolver. Nesse sentido, mais do que inspirador, ouvir os relatos das experiências francesas, foi perceber de como essas políticas podem se tornar referências importantes para nós do Brasil. Inclusive, ao final daquele dia, nos reunimos no Consulado Geral da França, no Rio de Janeiro, já pensando em possíveis intercâmbios e em uma cooperação internacional.

Revista ANL - Como os recursos do Fundo Pró-Leitura, contribuição do setor editorial e livreiro poderão, de fato, estimular e aumentar o índice de leitura do brasileiro?
Fabiano dos Santos Piúba - O Fundo Setorial Pró-Leitura tem um objetivo claro: contribuir na construção de um país de leitores. Esse desafio cabe a todos, governo e sociedade, atuando juntos na democratização do acesso ao livro, na formação de leitores e no fomento da própria economia do livro. Por isso mesmo, sua proposta já nasceu como uma parceria estratégica entre governo, editores, livreiros e distribuidores que – na ocasião da desoneração do PIS/CONFINS do setor produtivo no ano de 2004 – compreenderam a responsabilidade mútua na construção de uma política pública de livro e leitura no Brasil. Portanto, sejamos claros. A criação do Fundo Setorial Pró-Leitura não é um novo imposto. Pelo contrário, trata-se de um gesto nobre de cidadania empresarial e de visão estratégica de desenvolvimento do país. Abordando o Fundo Setorial Pró-Leitura como investimento estratégico, tal afirmação fica explícita logo na sua primeira diretriz, definida no eixo do Plano Nacional do Livro e da Leitura, que trata das ações de democratização do acesso. Financiar essas ações implica em um retorno direto ao setor produtivo, na medida em que, para possibilitar o acesso se faz necessário compor e adquirir acervos bibliográficos para bibliotecas públicas municipais, bibliotecas comunitárias, bibliotecas escolares, pontos de leitura, casas da leitura, agentes de leitura e para os milhares de projetos de incentivo à leitura existentes no Brasil. E quais os lugares de venda dos livros? As editoras, distribuidoras e as livrarias. Portanto, trata-se de um retorno e investimento direto ao setor produtivo. Além disso, o fundo poderá vir a financiar cursos de formação continuada para editores e livreiros, criar linhas de créditos para pequenas empresas do setor e apoiar programações culturais em ambientes de livrarias. Além disso, vale ressaltar que os recursos do Fundo Setorial Pró-Leitura serão provenientes não apenas da contribuição oriunda do setor produtivo do livro. A maior parte dos recursos partirá do orçamento próprio da União e do Fundo Nacional de Cultura. Ou seja, o investimento do Governo Federal será superior à arrecadação da contribuição oriunda das editoras, livrarias e distribuidoras. Algo que já vem sendo praticado na gestão do governo Lula e do Ministro Juca Ferreira. Para termos noção desse dado, basta analisar que o investimento do Ministério da Cultura na área do livro e leitura no ano de 2003, não passava de R$ 7 milhões. Em 2008, só com o programa Mais Cultura, esse investimento ultrapassou a casa dos R$ 100 milhões com ações de implantação e modernização de bibliotecas municipais e estaduais, bem como ações de reconhecimento de centenas de projetos de incentivo à leitura desenvolvidos por entidades da sociedade civil, selecionados por meio do prêmio Pontos de Leitura. Em 2009 esses recursos foram ampliados ainda mais, por meio de uma articulação federativa com estados e municípios que decidiram também investir em políticas públicas de livro e leitura. Mas não podemos pensar o Fundo Setorial Pró-Leitura apenas como investimento da economia do livro. Seu mérito consiste no investimento social e humano por meio de financiamentos e apoios a programas e projetos que visam fazer deste país, uma nação de leitores. Sabemos que o acesso ao livro e a experiência da leitura ampliam os conhecimentos e horizontes, a capacidade crítica e inventiva das pessoas, bem como a capacidade de leitura do mundo e a percepção do lugar de cidadão na sociedade. O acesso à leitura e a formação leitora são, em suma, uma política pública de cidadania, de educação e de inclusão social. E o desenvolvimento do setor do livro e da leitura ainda requer uma participação vital do estado no fomento das políticas públicas nessa área.

Revista ANL - Como o Sr. vê o segmento livreiro no Brasil. Qual é o seu real papel dentro da cadeia do Livro?
Fabiano dos Santos Piúba - O setor livreiro tem um papel estratégico no desenvolvimento econômico e social do Brasil. A cada dia o segmento vem se modernizando e ampliando seu raio de atuação sem perder o foco no objeto livro e nos suportes da leitura. Dentro da cadeia do livro, penso que a livraria tem um papel social importante, pois ao mesmo tempo em que ela é o canal de venda, é também de contato direto com o público. Veja que percurso instigante: o livro nasce da inspiração e do trabalho de um escritor, passa por todo um processo de produção editorial e chega às mãos do leitor por meio de uma outra mão, a do livreiro. Isso é muita responsabilidade. Nessa perspectiva, podemos dizer que a livraria não apenas pode gerar emprego, renda e contribuir com o crescimento do PIB no Brasil. Ela pode ser um ponto de contato com o livro, como bem definiu Tuchaua Pereira Rodrigues da Câmara Riograndense do Livro. Nessa perspectiva, o Ministério da Cultura, por meio do programa Mais Cultura está inserindo em 2010 duas ações importantes para o setor livreiro: a primeira consiste no apoio a um projeto de capacitação de competências culturais para os livreiros e a segunda será um edital voltado para financiar projetos de programação cultural nos ambientes das livrarias no Brasil. Pois entendemos que as livrarias são também pontos de cultura importantes para o acesso ao livro e formação leitora.

Revista ANL - Quais os próximos passos do Governo Federal a favor do Livro, da Leitura e Literatura no Brasil?
Fabiano dos Santos Piúba - O presidente Lula e o Ministro Juca Ferreira inseriram a política pública de livro e leitura como dimensões estratégicas. Temos o Plano Nacional de Livro e Leitura e a partir de suas diretrizes, o MinC vem desenvolvendo seus programas e ações, sobretudo por meio do Programa Mais Cultura. Estamos trabalhando para zerar o déficit de municípios sem bibliotecas públicas. Não haverá mais nenhum município nesse país que não tenha uma biblioteca. Simultaneamente estamos modernizando bibliotecas públicas municipais e estaduais, bem como reconhecendo, premiando e financiando projetos de incentivo à leitura desenvolvidos pela sociedade civil, naquilo que estamos denominando de Rede dos Pontos de Leitura do Brasil. Além disso, estamos realizando em parceria com os estados, a seleção e formação de mais de três mil agentes de leitura que irão em suas próprias comunidades, cadastrar famílias, realizar empréstimos de livros, rodas de leitura, saraus artísticos, criar clubes de leituras. Esses agentes estarão integrados aos projetos pedagógicos das escolas, além de ser agentes de bibliotecas públicas municipais, lugar que, para nós, deve ser um espaço de difusão, produção, fruição cultural, mas sobretudo, o epicentro da formação de leitores das cidades. Para o ano de 2010, nossas metas são mais ousadas ainda. No âmbito da política, estamos trabalhando com o projeto Mais Livro, Mais Leitura para implantação de planos estaduais e municipais de livro e leitura. Esse projeto, feito em parceria com o MEC e com o Instituto Pró-Livro, é uma ação de pactuação federativa na perspectiva de envolvermos os estados e municípios na formulação e execução de políticas públicas na construção de cidades, estados e de um país de leitores.

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