terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Tatiana Belinky: falar é comigo!”











Alessandra Siedschlag e Ana Paula Xavier

Tatiana Belinky é uma das maiores escritoras em língua portuguesa vivas. Nasceu na Rússia, em 1919, mas mora no Brasil desde seus 10 anos de idade.

Chegou a cursar Filosofia, mas abandonou a faculdade ao se casar com Julio Gouveia, médico e educador, com quem teve dois filhos.

Foi com ele que Tatiana começou a trabalhar, em 1948, com adaptações, criações e traduções de peças infantis para a Prefeitura da cidade de São Paulo. O sucesso de seu trabalho os levou a adaptar o livro "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato, para a TV Tupi.

Em 1985, Tatiana Belinky escreve seu primeiro livro, "Limeriques", pela editora FTD. Nunca mais parou, tendo inclusive recebido o Prêmio Jabuti, em 1989.

Tatiana hoje é viúva e mora em São Paulo, com um de seus netos.

--------------------------------------------------------------------------------

- Tatiana, bom dia! Estou ligando pra confirmar o horário de nossa entrevista.
- Ah, sim! Podemos, sim. Prefiro que seja cedo, porque sempre tenho coisas pra fazer à tarde.
- A vida está muito corrida, não é?
- Eu corro muito, mas corro sentada. Quem corre mesmo é minha cabeça e minhas mãos.

Quando soube que ia entrevistar Tatiana Belinky meu coração veio à boca. Muitas emoções ao mesmo tempo. Tatiana Belinky, poxa! Sabem lá o que é isso? No caminho, um céu tingido de turquesa especialmente para esse encontro. Cheguei. Entre!, diz a voz, sorrindo pelo interfone.

A primeira coisa que se vê em Tatiana são os olhos. Vivos, alegres, brilhantes. Falar é comigo, diz ela, com os olhos sorrindo, eles também. Então fala com a gente, Tatiana!
Sobre a vinda da família para o Brasil

Viemos de navio, meu pai, minha mãe, eu e dois irmãos, o do meio e o mais novinho. Eu nasci na Rússia, onde hoje é São Petesburgo. Vim para o Brasil por causa da guerra. E por causa da guerra, perdemos tudo. A chegada em São Paulo foi um choque cultural. Foi uma pororoca! Eu vir lá do Báltico, aquele frio, quatro e estações definidas, tudo diferente! A minha vantagem é que eu já falava outras línguas, letão, russo, alemão e iídiche, e muito livro lido. Essa parte foi fácil.

Meu primeiro amor brasileiro foram as bananas. Nossa! Como eu gosto de banana. As pessoas me trazem flores, me trazem chocolates. Me trazem bananas. Foi minha primeira paixão, até porque meu pai trazia bananas, uma por ano. Quando vinha de navio, não vinha muito boa. Agora, eu lá sabia que era boa? Repartia com meu irmão, assim, milimetricamente, e achava que crescia em enormes palmeiras, com enormes folhas, uma banana em cada folha. E quando eu cheguei, do navio, eu vi lá embaixo, no porto, eu vi um cacho de bananas do meu tamanho, com banana, banana, banana, banana... e pensei: É a terra da fartura! Depois eu gostei muito de uma coisa que eu não conhecia, o palmito, mas banana... sem rival.
Sobre sotaques e palavras

Eu fiz parte de júri de textos, de teatro, de livros de histórias pra crianças, pra adultos, e vem tudo com pseudônimo, ninguém sabe quem é. E eu leio três linhas e digo: esse é mineiro, esse é carioca, esse é gaúcho. Tem sotaque na escrita! O jeito de falar, como se forma a frase e até as palavras que se usam não escondiam de mim de onde era, de que Estado. E acho lindo, acho tão interessante o sotaque!

Bom, eu gosto de língua. Na escola eu gostava mesmo era de línguas: espanhol e latim, mas tinha francês e inglês. É como música. É claro que é música. A fonética russa é bem próxima do português do Brasil, porque tem as vogais abertas. O de Portugal amontoa as consoantes. Mas é que o brasileiro fala muito devagar, usa as vogais. É cantante, a língua russa. E muito bonita. Tem uma literatura maravilhosa. Então essa coisa de palavras – Sua Majestade, a Palavra – sempre me encantou. E poesia. Eu sempre gostei de ritmo, de rima, de cadência.

Sobre o começo de tudo

Falar é comigo. Escrever também. Escrever, eu escrevo pra juventude. Um artigo, um livro, uns poeminhas lá que eu gosto de fazer... Além do Sítio do Pica-Pau Amarelo, eu adaptei tanta coisa para a televisão que você não vai acreditar, nem eu acredito. Eu fiquei na televisão entre 48 e 49. E antes disso era o teatro. E a televisão naquele começo era feita por gente de rádio. E nós éramos de teatro, então foi no primeiro ano, segundo ano de televisão, não havia nada de programa para criança. Havia programa de auditório, gritaria... não era Xuxa, mas era uma Xuxa da época – Virgínia Lane.

Então fomos chamados pra televisão. E aí, naquela época [por volta de 51], estávamos com uma peça e o diretor nos convidou, e disse: Venham, tragam o seu texto, a sua turma, tragam tudo, não se preocupem com nada, a emissora prepara tudo. E foi assim que começou a televisão. E imediatamente começavam a telefonar e a pedir mais... e foi embora!

Até 66/68, ao vivo, sem gravação, quatro programas por semana. E era perfeito, muito bem ensaiado. Não tinha improviso, não. Era muito ensaiado, porque a idéia, minha e do Julio [Gouveia, marido], era promover a leitura, o livro, através do teatro, outro veículo muito cultural. Quando a Tupi lá começou a ir mal das pernas, não pagava ninguém. Mas a gente não estava atrás disso. Eu tinha a minha profissão, o Julio tinha a dele. Isso era paixão. Esse impulso de promover leitura, literatura, poesia e linguagem foi paixão. Televisão formativa, não informativa. Porque a informação vem com a própria linguagem, vem com a roupa da época, não precisa falar nisso. É a linguagem como se fala. Isso era informação.

Sobre ética, humor e o politicamente correto

Agora, formação era o conteúdo ético. Estética e ética, claro, e humor! Humor é muito importante. Vários tipos de humor. E os que chamam o humor de politicamente correto... Não tinha esse nome, nem a gente fazia essas bobagens que fazem agora. Naturalmente, assim, implicitamente a gente não mostrava um personagem herói bêbado ou bebendo muito. Não fazia parte, não precisava falar nisso.

E esse negócio de madrasta que agora estão explorando demais. Porque essa mulher [Tatiana se refere ao Caso Isabella Nardoni] nem madrasta é. Madrasta é mulher do pai viúvo... Ela não é madrasta. Não tem esses epítetos, como dizia minha mãe. Por que madrasta tem que ser ruim? Não há madrastas boas? E não há mães ruins? Então naturalmente tinha que ter os nossos personagens negativos. Mas não podia ter defeito físico, não podia ser corcunda, não podia ser feio. Não é por isso que ele é mau. E há personagens bons que têm problemas: que podem ser cegos, que podem ser mancos, que, pelo contrário, dão a volta por cima. Isso hoje chamariam de políticamente correto. Mas não era por aí. Era educacional, ético. E divertido.

Sobre solidão

Eu estou nessa casa há 52 anos, então meus filhos e netos cresceram aqui, e estudaram, vinham estudantes... Ficava assim de gente essa casa, agora está vazia. O Ricardo, o mais velho, mora lá em cima, nós somos condôminos [risos].

Eu moro aqui, e ele com a mulher moram lá em cima depois que o Julio morreu. Cada um tem a sua vida. Eu nunca sinto solidão. Até quando estou sozinha eu não estou sozinha. Eu sei ficar sozinha. Imagina! Eu ficava inventando coisas, imaginando coisas desde que eu era desse tamanho, nunca estou sozinha. Eu tive amigos imaginários, mas o amigo imaginário mais interessante era do meu irmãozinho.

Ele era 10 anos mais novo do que eu, eu fui irmãe dele. Mamãe trabalhava o dia inteiro e eu tomava conta do irmãozinho. Diferença grande. Eu cuidava mesmo dele, mas como eu também ainda era criança, eu tinha minhas coisas pra fazer, então muitas vezes ele brincava sozinho. Então ele criou o tal amigo imaginário, que se chamava Bidilson. Um dia eu não agüentei e disse Onde é que você arranjou um nome assim, Bidilson?, e ele disse Mas eu não arranjei, ele me disse!.

Claro! O que a gente imagina é verdade... Aí eu calei a boca e não me meti mais. Um dia, ele tinha 4 anos e estava ainda naquela cadeira alta. E eu dando mingau pra ele, e aquele dia ele não queria comer. Virava a cara, e eu fazia aviãozinho, barquinho, trenzinho, não adiantava. Certa hora ele até empurrou, virou alguma coisa em cima de mim, e eu perdi a esportiva e disse: Benjamin, coma, olha o Bidilson aqui, como ele come bem. Ele fez assim: Ele não está aí, ele está aqui [risos]. Então até hoje eu não sei se ele estava me gozando, ou se o Bidilson realmente estava do lado dele, ou se saiu do lugar. Eu tenho um livro de crônicas cujo titulo é Bidilson. São três, quatro crônicas, mas são todas histórias verdadeiras, que eu testemunhei.
Sobre o hábito de leitura

O que adianta a criança ir à escola se ela não sabe ler uma sílaba? Não sabe, não aprende, não foi ensinado, tá tudo errado. Agora, você imagina. Eu com cinco anos já lia livros. Primeiro aqueles que meu pai lia pra mim que eu sabia de cor. Claro. Eu pegava aquilo e lia de cor, mas sabia como um livro funciona.

E como é que eu aprendi a ler mesmo? Meu pai – era sempre meu pai! –, ele contava histórias, ele lia pra mim, lia poesias. Um dia ele me trouxe, quando eu fiz quatro anos, uma caixa de blocos com letras, nas seis faces. Não disse nem o que era, ele disse: Olha, é pra brincar, pra construir coisas, torres, pontes, casas....

E ele sabia muito bem que criança não é boba, de boba não tem nada, vai perguntar o que é aquilo. E funcionou! Logo eu perguntei O que é isso, papa?. Ele disse: Isso é um B, e fazia o som do B. Ah. E isso, o que que é? Isso é um U! Você sabe que juntando fica BU? O velho beabá, né? Em poucas semanas eu estava formando pequenas palavras de duas sílabas. Aos quatro anos e meio eu estava lendo. Passou muito tempo e quando o meu primeiro neto fez quatro anos eu quis fazer essa brincadeira com ele.

Aconteceu a mesma coisa, aqui, nessa sala. Aqui no chão. Os tais bloquinhos pra ele, ele começou a brincar, em poucas semanas ele lia papá, mamã, nenê... aí eu pensei: bom, agora eu vou fazer uma experiência radical. Sentei no chão com ele e formei no chão: T A T I A N A, tudo. Eu disse, Como é, você consegue ler uma palavra comprida assim?. Aí ele olhou pra aquilo, olhou... apontou com o dedinho e leu: VO-VÓ. Meu queixo caiu, eu não fiz isso. Ele leu e traduziu! Interpretou o texto.
Sobre bons livros

Me perguntam o que é que tem que ter num livro pra ser um bom livro pras crianças. Bom, pra começo de conversa, tem que... Existe essa palavra, temque? [risos] Tem que agradar ao leitor. Se ele não gostar do que está lendo, ou ele é obrigado a ler ou ele larga e pega outro!

Não tem que levar pra si uma coisa que você não acha. Como você não precisa assistir a um filme de que você não gosta. Você sai. A única coisa que eu trouxe da Europa comigo, agarrado no peito, era um livro, tenho até hoje... Um livro de contos que não eram escritos para crianças. Eram contos que uma criança leitora como eu era lia e curtia, nem sei por quê. Porque interessava, porque agradava!

Hoje em dia, não lhe dão chance, coitada da criança brasileira... O importante não é o hábito da leitura. O importante é saber ler, entender o que lê, que é o grande problema dos brasileiros, do povo brasileiro. O que ler? Lê o que quiser, lê o que gosta! Eu não consigo ler gibi porque eu tô tão viciada em texto... mas é defeito meu, eu não tinha gibi quando era pequena, tinha livros ilustrados com grandes ilustradores, isso tinha. Não é que liberou geral, mas também não pode proibir nada.

Sobre proibições

Eu não gosto de proibir, eu não sei o que é que é proibir. Esse palavrão, temque... mas não temque coisa nenhuma! Tem algumas coisas que eu ensino que não deve, porque você pode não gostar. Enfiar um dedo na tomada, se você quer, enfia, mas você não vai gostar. Pôr a mão no fogo? Experimente, mas você não vai gostar. Não é que não tem, é que não deve...

Não tem o proibir de ler qualquer coisa, como tinha isso. Eu não sei o que é proibir, nunca me proibiam nada. E o ambiente onde uma criança vive cria o temque/não temque, pode/não pode, não precisa falar. Não me passaria pela cabeça responder malcriada pro meu pai, pra minha mãe. Aliás, eles não provocavam uma coisa assim, não era preciso.

Se eu queria saber alguma coisa, perguntava. Responda honestamente, e quando não souber diga honestamente Não sei, eu vou ver, depois deu lhe digo. Mas não diga Não é da sua conta, Estou ocupado, essas bobagens de desculpas esfarrapadas e falta de entender a criança. Criança tem que ser curiosa. Criança merece e deve perguntar. Qualquer pergunta vale.
Fonte: Delas

2 comentários:

  1. Tatiana Belinky Te Adoro Eu Amanhã No Colégio E.M.Nossa Senhora Da Penha Vamos Te Uma Conversa Com Vc Ao Vivo Pelo computador e eu irei fazer uma pergunta pra vc Bjs! Te amo meu nome e GuilhermeAssis Tenho 9 anos eu eu des de pequinninho eu leiu teus livros Medoliques Cacoliques e Ponto de Interrogação

    ResponderExcluir
  2. Legal a história dela !

    ResponderExcluir